Talvez não seja o momento
Você passa a vida inteira, ou muitos anos dela, estudando e desenvolvendo algum tipo de conhecimento específico, mas, quando se dá conta, percebe que está em meio à uma “crise existencial”. Pelo menos essa é a nomenclatura que você está dando para a sensação que vem sentindo ultimamente. Natural… Muitas vezes vamos nos deparar com esse tipo de dúvida, e está tudo bem!
O “problema” é quando passamos a duvidar daquilo que viemos fazendo. Passamos a questionar se isso é certo, e ainda, se isso é realmente o que gostamos de fazer.
A falta de resposta para estes questionamentos pode acabar te machucando, e provocando outras dúvidas que apenas alimentam ainda mais a sua chamada “crise”.
É possível, inclusive, que você pense em desistir do que tem feito até então. E, em meio a lágrimas, você abre mão de algo que, há um tempo atrás, parecia tão certo. Por que isso acontece? O que fez com que tudo mudasse? Por que o que você vinha fazendo já não é mais tão certo?
A necessidade de perfeição
Algo muito expressivo em muitas pessoas, que eu costumo observar por aí, é a necessidade de uma perfeição. E quando eu digo “vejo por aí”, estou me incluindo nesse pacote. Parece que enquanto não houver uma “perfeição”, as coisas não estarão caminhando para onde deviam.
Mas, do que se trata essa perfeição? Como ela é feita? Quem já atingiu? Será que alguém já chegou lá?
Bem, quando estamos desenvolvendo algo que gostamos e nos deparamos com dificuldades, passamos a pensar que tudo que viemos fazendo até então é “errado” e “incerto”. Mas não é que seja isso… Talvez apenas não seja o momento certo!
Mas o que eu estou querendo dizer com isso?
Pare e reflita: Muitas pessoas abrem mão dos seus sonhos, diariamente, por estarem dentro de uma chamada “crise existencial”. Elas percebem muitos impasses no caminho que vem percorrendo, e se intitulam como alguém “não tão bom assim” para aquilo. E elas se apegam a essa verdade, nem tão verdade, que elas mesmas criam.
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Para que você compreenda o que eu estou querendo lhe dizer com isso, vou contar uma breve estória. Siga comigo:
Talvez eu não seja tão boa
Todos os dias eu levantava entusiasmada para estudar sobre arquitetura. Assistia vídeos, lia sobre o assunto, rabiscava algumas considerações em meu caderno. Aquilo me preenchia de um modo sem igual. Eu me via diante de uma realização a cada novo dia. Eu tinha certeza: “É isso que eu vou estudar!”.
O tempo passou, saí do ensino médio e comecei a faculdade. Tudo fluía bem, até que, por algum motivo, eu senti as coisas desandarem.
Eu estudava, ferozmente, mas alguma coisa me impedia de absorver as informações e eu não saía do lugar. Estava sempre me dando mal nos estudos, e pouco a pouco este “se dar mal” acabou minando o meu caminho.
O desejo de estudar passou a desmoronar. Eu chorava e não queria mais ir para a faculdade. Parecia que tudo que eu havia pensado para a minha vida, desde então, ia pelo ralo do chuveiro, quando eu me banhava, todos os dias.
Passei a ouvir críticas alheias, do tipo “você não nasceu para isso”. E aquilo me consumia. E hoje posso perceber que quanto mais as pessoas me falavam isso, mais como “verdade” eu tinha essa frase. E assim, fui relaxando.
Parei de estudar como antes. Nem sequer falava sobre o assunto com as pessoas que eu conhecia. Eu fui deixando tudo de lado. Na minha mente, apenas um “talvez eu não seja boa” me invadia todos os dias. E eu aceitei isso. Tranquei a faculdade. Abandonei o meu sonho.
Anos mais tarde, recebi um convite pelo WhatsApp: minha amiga me convidava para a formatura. Eu despenquei. Lamentei. Chorei. Estava arrasada de notar a minha turma inteira indo adiante, enquanto eu estava parada, há anos, por ter desistido do meu maior sonho.
Uma sensação de vazio me invadia. Eu estava arrasada. Mas, mesmo assim, aceitei o convite e vi o brilho da minha turma ao se formar.
Voltei para casa naquela noite, pensativa. Os discursos que eu ouvi mexeram comigo. Especialmente de uma mulher em específico, que entrou anos mais tarde em minha turma – eu sequer estudei com ela. Ela dizia que havia trancado a faculdade, há um tempo atrás, por sentir que não saía do lugar. Mas, depois de anos parada, ela percebeu que, na verdade, aquele não era o momento.
A vida pessoal dela estava bagunçada, e isso impedia que tudo que ela estudasse fosse internalizado de fato. Ela apenas lia, mas seus pensamentos não saíam de sua mãe doente. E apenas quando ela perdeu a sua mãe, que ela conseguiu, finalmente, findar esta fase. E findando-a, ela pensou em retornar o estudos.
Ela retornou… E desenvolveu-se dentro dos estudos de uma forma que jamais imaginou desenvolver-se. E com isso, se tornou a aluna que recebeu o prêmio das notas mais altas durante toda a graduação. E ao receber este prêmio, ela chorava.
Eu chorei. A platéia chorou. Todo mundo se olhava, como quem dizia, um para o outro: “Calma, talvez não seja o momento…”.
Talvez não seja o momento
O que essa estória acima pode trazer para você? Espero que uma reflexão. Pois o que estou tentando lhe dizer, ao longo desse texto, é que não existe certo e errado. Não existe perfeição. Não existe algo que diga “ou você é bom agora, ou nunca será”. Não!
A gente cresce, se desenvolve, abre a mente, cria novos caminhos todos os dias. Não faz o menor sentido acharmos que porque não conseguimos algo agora, não conseguiremos nunca.
Ninguém nasce bom. Ninguém fica bom da noite para o do dia. Tudo é “desenvolvível”. Mas, você só consegue se desenvolver quando se escuta.
Quando você escuta o porquê de algo não estar dando certo, consegue pensar em outros caminhos e vias para o seu desenvolvimento. Em nossa estória acima, a moça não conseguia dedicar-se aos estudos por ter sua mãe doente em casa. Ela soube escutar isso e respeitou a si mesma, ao perceber que as coisas não precisam acontecer pra ontem.
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Isso não significa que você deve simplesmente “esperar o tempo passar”, mas, significa que deve reconhecer que ninguém é bom o suficiente para, de um dia para o outro, ser impecável naquilo que você faz.
E mais: ninguém é impecável naquilo que faz.
Há sempre falhas. Há sempre tropeços. E deixa eu te contar um segredo, que descobri ontem, lendo frases por aí: “Um tropeço também é um passo”.
Talvez não seja o momento. Talvez seja o momento de pensar no porquê este tropeço dói tanto. E, com ele, entender que toda angústia e toda incerteza fazem parte do seu ser. Ninguém caminha sem tropeçar. Só tropeça quem não cansa de tentar.
E te contar… Estar sempre descansado é um das piores sensações da vida.
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